De
uma forma ou de outra, bastante sutilmente muitas vezes, o Epica é uma banda
socialmente engajada. Desde o começo da banda tivemos várias canções que
abordaram temas políticos, sociais, ambientais e religiosos, quase sempre em
tom duro de denúncia e desaprovação. E continuando com essa característica
chega até nós o quinto álbum de inéditas dos holandeses: “Requiem For The
Indifferent”.
Podemos
notar logo de cara a proposta do trabalho através de sua capa, que mostra algo
que metaforiza um possível futuro do planeta e da humanidade: um mundo
metálico, plastificado, sem cor e sem vida, e quando raramente estas aparecem
são vistas quase como um milagre e causam espanto. Um mundo que há de ser
tomado por andróides e máquinas, deixando de lado a essência pura do ser
humano. Assim, desde logo nos propõe a refletir a respeito do que estamos
fazendo com o nosso lar, maltratando-o, poluindo-o e não mostrando um pingo de
respeito ou agradecimento por tudo o que ele já nos deu. Ao mesmo tempo em que
questiona os impressionantes avanços tecnológicos que vivenciamos atualmente,
perguntando se vale a pena chegar tão longe.
É
um bocado de idéias que se pode tirar apenas da arte da capa, e isso denota que
o Epica é uma banda que consegue com sucesso entrelaçar muito bem todos os
aspectos que constituem uma concepção de trabalho artístico.
A
audição começa como não poderia deixar de ser, com uma introdução instrumental.
‘Karma’ soa um pouco diferente das
aberturas dos dois últimos discos, que eram mais impactantes, mais
cinematográficas. Esta me parece um pouco mais contida, e que de certa forma
flerta com o início da banda, com uma atmosfera mais densa e soturna adornada
com instrumentos de sopro diferenciados e com mais destaque para corais com
vozes femininas.
Na
seqüência chega a pancada ‘Monopoly on
Truth’ chutando baldes. Já de início ouvimos a bateria sempre ensandecida
de Ärien, riffs rápidos e densos, boas orquestrações que foram uma base muito
sólida para o restante do som. É uma faixa longa, com bastante variação, corais
e refrões grandiosos. Simone cantando muito bem como sempre, e Mark está com s
guturais afiadíssimos. Algumas partes dessa música me parecem claramente
remeter ao disco “Consign to Oblivion” (2005), o que se repete algumas vezes ao
longo da audição do disco, dando a entender que de fato eles realmente
aproveitaram para incrementar um pouco do som atual com pinceladas do passado.
Um belo acerto.
A
faixa seguinte é o primeiro single do trabalho: ‘Storm the Sorrow’. Eu pessoalmente gostei muito dessa escolha por
dois motivos. O primeiro é que mantém a tradição de sempre pegar músicas
diferentes umas das outras para single, já que se prestarmos atenção nenhum dos
singles da banda pode ser considerado idêntico ao anterior, como muitas bandas
fazem. O segundo é que uma música até que ousada para ser usada como
carro-chefe do disco, pois é bem pesada e não é exatamente de fácil digestão.
Mas de qualquer forma é uma ótima canção, apostando na bela voz de Simone e em
uma cadência interessante, tem todo um clima bacana. Não é a melhor, mas com
certeza um grande destaque.
O
Epica tem algumas marcas registradas, e uma delas certamente é as suas baladas.
Sempre belas e sempre emocionantes, e carregadas de feeling. E desta feita não
foi diferente. ‘Delirium’ é uma
genuína balada da banda, que se guia na ótima interpretação de Simone, nas
linhas de teclado de Coen e nas guitarras discretas, porém fundamentais.
Excelente!
Depois
da calmaria vem a tempestade com ‘Internal
Warfare’. Cheia de peso, bateria sempre marcante, grandes riffs e mais uma
vez Simone mandando muito bem. Destaque para as orquestrações e os corais, este
último que é um dos grandes ingredientes do disco, usados deu ma forma ampla,
coerente e excepcional.
A
faixa título é uma das que mais me agradou durante a audição, desde a primeira
vez. Seu início com temas orientais mais uma vez retoma às raízes, fazendo
pensar no distante “The Phantom Agony” (2003). Em seguida começa o
instrumental, mesclando sonoridades antigas com o peso atual de forma precisa.
O refrão é espetacular, usando os corais de forma fantástica, o tornando épico
e grandioso ao extremo. Mark, Simone e Ärien com interpretações
irrepreensíveis. Uma peça grandiosa que consegue ser atual e retrô ao mesmo
tempo, sem cair em mesmices ou autocópias. Individualmente nota 10.
‘Anima’ é aquele interlúdio aleatório
que poderia ser dispensado, sempre aparece. E nele se cola o tiro curto ‘Guilty Demeanor’, uma música bastante
pesada, mas com um andamento um pouco mais lento, o que dá a ela certo ar mais
tenso e nervoso. Simone apresenta uma atuação bastante firme, dentro da vibe da
música. Aparecem poucos guturais, mas são bem encaixados e colaboram com o todo
da faixa.
Mais
uma balada. ‘Deep Water Horizon’ tem
uma porção a mais de peso, quase em um meio termo entre uma balada convencional
e uma música regular. Tem um belíssimo refrão, daqueles de se cantar junto nos
shows. O teclado mais uma vez dita o ritmo, acompanhado por orquestrações mais
discretas, mas bastante atuantes, tem também alguns bons solos e passagens
bastante pesadas. Uma faixa completa e criativa. Em comparação com a anterior,
a próxima não é tão original: ‘Stay the
Course’ é uma música simples e direta, pesada e com um refrão apenas
interessante. Diria ser apenas uma faixa regular de disco do Epica.
Já
‘Deter the Tyrant’ aposta no peso e
na simplicidade soando muito mais interessante. Tem riffs rápidos e cortantes
muito bons. Que parecem até exóticos de certa forma. Os vocais muito
competentes novamente, provendo mais um ótimo refrão a esta já grande coleção.
Aqui e ali se ouvem novamente homenagens ao passado da banda, breves narrações,
riffs e vocalizes. Esta sim uma faixa de destaque. ‘Avalanche’ faz jus ao nome, e muito. Começa baixa e sorrateira,
mas depois desanda numa enxurrada de riffs e de linhas de bateria
avassaladoras. Os corais outra vez fazem um trabalho primoroso, Mark e Simone
dão show e encaminham o final da audição em altíssimo estilo.
E
para fechar com tudo temos a longa ‘Serenade
of Self Destruction’. A típica faixa de encerramento, longa, cheia de
variantes e nuances; orquestrações e certo quê lírico. Fica definitivamente
claro que uma das idéias para este álbum era inserir elementos que remetessem
ao passado, nos corais, em alguns riffs e em vários momentos mais climáticos. E
conseguiram um ótimo resultado, que se encerra em ápice neste grande faixa.
Analisando
as letras nota-se aquilo que comentei lá no começo. Uma abordagem lírica muito
inteligente para os problemas do mundo contemporâneo, um aviso e um alerta,
para que abramos nossos olhos e mudemos o mundo. Curioso pensar que talvez
possamos conectar o tema deste álbum com o do anterior, que falava em construir
seu próprio mundo, e assim construir nosso próprio mundo a partir do que já
temos; um melhor e muito mais humano.
Se
formos analisar friamente, o Epica desde 2007 vem seguindo um tipo de “padrão”
na construção do set list dos discos, com músicas de formato similar e em uma
ordem quase pré-estabelecida. Bem, em circunstâncias normais eu acharia isso um
sério problema e criticaria duramente, porém não posso fazê-lo por uma simples
razão: eles se garantem. As músicas não são repetitivas, são originais e
inventivas, e apenas se encontram em um contexto de padrão, e por isso não são
padronizadas.
Já
me alonguei demais e é hora finalizar: é um ótimo disco, que justifica o posto
em que a banda encontra no cenário da música pesada mundial. Um disco que se
ouve com facilidade, que apesar de longo se deixa fluir naturalmente e não é
nada cansativo. Com certeza há de ser um dos discos de destaque nas listas ao
fim de ano. Um trabalho esmerado, com o selo de qualidade Epica e Sascha Paeth,
e que vai agradar todos os fãs da banda.
Compre
que vale a pena!
Nota 9
O Epica é:
Simone Simons – Vocal
Mark Jansen – Guitarra, vocal
gutural
Coen Jansen – Teclados, piano
Yves Huts – Baixo
Isaac Delahaye – Guitarra
Ärien Van Weesenbeek – Bateria,
vocais guturais
Track List:
- Karma
- Monopoly on Truth
- Storm the Sorrow
- Delirium
- Internal Warfare
- Requiem for the Indifferent
- Anima
- Guilty Demeanor
- Deep Water Horizon
- Stay the Course
- Deter the Tyrant
- Avalanche
- Serenade of Self Destruction
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